Por: Gustavo Batista
Francisco Everardo Girão nasceu no Sertão de Quixadá no Ceará. Há 30 anos
vive no Amazonas. Fixou-se primeiro na capital Manaus, no ano de 1995, desde
2019 escolheu Parintins para morar. Girão é geógrafo, especialista em Geografia
da Amazônia Brasileira e mestre em Geociências. Além de professor
universitário, poeta, músico, compositor e fotógrafo de natureza. Venceu o
Covid-19 e ganhou três prêmios: V Concurso “Poetas Emergentes do
Amazonas”, em Manaus(2012), com a poesia “Sertão”. O primeiro CD “FLOR
DO CAMPO” (2012) com letras autorais e parceiros. O primeiro livro de Poesias:
“NA BEIRA DO RIO” (2012). Vencedor também do Prêmio Feliciano Lana, da Lei
Aldir Blanc, edital público 05/2020 do Programa Cultura Criativa, com o Livro: “O
BRILHO DA INOCÊNCIA – Poesias para Amazônia” e no mesmo edital, o prêmio
do CD “PARAGEM – Músicas para a Amazônia”. Tem dois livros científicos
publicados em parceria com outros autores: Planejamento de Sistemas de
Trilhas: uma pegada social – cultural – ambiental(2017) e o Manual Participativo:
Planejamento de Trilha Cultural na Comunidade Indígena Raposa I (2022).
O que te fez sair do sertão nordestino e morar no Amazonas e o que mais
te encantava antes de vim para o Amazonas?
Um dos meus bisavôs era seringueiro e morou na Amazônia, no Estado do Acre.
Ele voltou para o Ceará, inclusive, perdeu a visão no seringal, contava sobre a
floresta, os rios, falava como as pessoas daqui são boas e também a diversidade
de animais. Eram histórias que me fascinavam muito quando era criança. Fui
crescendo e o desejo de conhecer a região crescia no mesmo nível, e depois de
adulto me tornei professor de geografia e tive a oportunidade através de uma
pessoa que conheci que era de Manaus, me convidou para conhecer a cidade.
Fiquei encantado e motivado, e vim conhecer e não voltei mais.
O que é a poesia para você?
A poesia é a minha leitura de mundo, meu combustível. Eu vejo como nossa vida anda
séria e por vezes caótica, e também como é possível encaixar a poesia e torná-la mais
suave e posteriormente mais atrativa e extraordinária. Encarar essa vida e as situações
severas do mundo, como os cataclismas, as ações antrópicas, as relações pessoais e
dessa forma, a poesia entra como uma válvula de escape, um acalanto, uma fuga.
Dizem que o poeta é motivado a escrever quando ele está muito alegre ou triste, são
dois extremos. Eu prefiro acreditar na seriedade da vida com uma suave poesia ao por
dos sol.
Você venceu o 5° concurso de poetas emergentes do Amazonas, como foi essa
experiência?
Isso aconteceu em Manaus em 2010, começou por um amigo que conheci no trabalho,
ele era Professor de Física e Matemática, o João Medeiros, nordestino do Rio Grande
do Norte, morava em Manaus e trabalhávamos juntos, ele é uma pessoa que admiro
muito, é engenheiro civil e poeta. O João sempre foi admirador da minha arte, lembro
que certa vez no meu aniversário de 50 anos, presenteou-me um violão profissional,
fiquei muito emocionado com o feito. O amigo João é nordestino como eu, a gente
sempre se identificou por sermos do nordeste, nos aproximamos muito devido a
educação e principalmente, a poesia e a música que existe em nós e as vidas
desafiadoras em outra região superlativa. Em relação ao concurso de poesia em
Manaus, foi num domingo que saiu no jornal acrítica o edital público da antiga Livraria
Valer do concurso de poetas emergentes do Amazonas, ele viu e me inscreveu sem eu
saber, passado uns dias saiu a lista no referido jornal, ele ligou pra mim e disse: “Girão,
te inscrevi num concurso de poetas e tu foi aprovado”, fiquei super feliz e sem creditar,
achei que era brincadeira, peguei o jornal e era verdade. Eram 76 inscritos em nível
nacional e apenas 12 foram contemplados, e eu estava entre os premiados, foi uma
poesia que falava sobre a minha infância chamada de “Sertão”, onde nasci e cresci. Na
entrega do prêmio, da antiga Livraria Valer, teve um evento e um outro amigo
nordestino, músico, Ismael Dumangue, veio a Manaus e fez uma melodia da poesia
“Sertão”, tocou e cantou lindamente a poesia “Sertão” no encerramento do referido
evento, foi a partir desse momento que comecei a perceber que devemos transformar
nosso potencial poético e musical em produto e nesse instante, nasceu a idéia do
primeiro livro de poesia“ Na Beira do Rio”, e também onde motivou a lançar o meu
primeiro CD “A Flor do Campo”, músicas extraídas das poesias do livro, ainda em
Manaus em 2010.
A partir desse dia surgiu a idéia do primeiro livro, e depois?
Eu tinha guardado 200 poesias, como meu amigo me dizia sempre: “Quem não é visto,
não é lembrado, pega essas poesias e publica um livro”, ele me motivou. Foi quando
peguei 100 poesias e publiquei o livro. Eu não tinha dinheiro pra fazer o livro, só tinha
um barquinho com motorzinho pequeno, vendi meu barco para pagar a editora e publicar
meu livro. Não me arrependo e foi maravilhoso ver nosso livro publicado e lançado. Teve
uma repercussão muito grande, foi visto por mais de 150 países, recebi ligação de
outros países, pessoas interessadas no livro, em 3 meses vendi todos os exemplares,
foi esgotado. Pretendo no futuro fazer uma segunda edição desse livro em e-book.
Em uma poesia desse primeiro livro, você coloca em um trecho “a música
e a poesia faz morada no coração e pousa no sorriso de uma criança, como
beija flor”. E anos depois lançou o livro “O Brilho da Inocência”, comente
sobre essa frase, era um spoiler do próximo livro?
Eu sou um admirador de crianças, porque as crianças são muito verdadeiras, se uma
criança gostar de você, ela diz que gosta, senão gostar, diz na mesma sinceridade que
não gosta, e isso me fascina. A criança não esconde nada de ninguém é muito
verdadeira. Essa verdade que eu admiro e me inspira. Isso a cada vez mais, faz eu
acreditar em Deus e no ser humano. Eu tive uma infância muito feliz no interior, tinha
muita liberdade, isso foi fantástico, a gente não tinha maldade, essa liberdade não
encontrei na grande cidade que fui morar com 12 anos.
Fale sobre esse segundo livro de poesia lançado.
Esse livro foi escrito mais de 90% no período de confinamento da pandemia do covid19.
Foi uma homenagem que fiz para minha filha Maria Milena, titulado “O Brilho da
Inocência”, que fala sobre um olhar de uma criança, para quando ela crescer irá ler o
livro que fiz para ela. As poesias retratam como uma fuga do confinamento que
estávamos vivendo no período de pandemia. Tem poesias de pessoas desconhecidas
que me autorizaram a publicar, o livro ganhou o prêmio Feliciano Lana da lei Aldir Blanc
no edital de 2020. A última poesia do livro é muito relevante e tem uma história por trás
dela, que se chama “sobrevivente”, escrevi quando estava no leito de um hospital com
Covid19.
Quando ganhei o prêmio, estava internado no hospital e o livro estava em processo de
edição na editora. No hospital, recebi uma espécie de mensagem, uma inspiração para
escrever essa poesia, fala da minha história, da minha resistência de continuar vivo e
agradecimento a Deus por ter sobrevivido a esse milagre. O que aconteceu comigo foi
muito grave, assim como várias pessoas que acabaram não resistindo. Foi uma
experiência muito forte e dolorosa que passei de sentimentos que nunca havia sentido,
como medo e a dor ao mesmo tempo. A dor da medicação, do tratamento, passei 12
dias sem oxigênio natural e o medo constante de morrer, presenciei várias pessoas
morrer ao meu lado, fiquei com muito medo, pensei diversas vezes que não fosse voltar
para casa e ver minha família. Quando sai do hospital, liguei para a editora e pedi para
substituir uma poesia e colocar a que escrevi no hospital, que foi a última. O dinheiro do
prêmio investi no meu tratamento, com medicamentos, médicos, alimentos adequados
e tratamento por conta das fortes sequelas do Covid19.
Nesse segundo livro você ressalta: ‘’Além do prazer dos barcos passando nesse
céu azul, nesse caudaloso rio vai meu coração e canção”, o que essa frase remete
em sua vida?
Essa poesia escrevi em 2019 quando cheguei em Parintins e fui ver o pôr do sol, sentei
na orla da cidade com meu violão, vendo aquela paisagem belíssima, veio a inspiração
e escrevi a poesia “Paragem”, que teve a versão em música para o CD. Tem uma outra
frase da música que diz: “larguei tudo pra viver na beira do rio”, foi realmente o que eu
fiz. Sair de Manaus depois de morar 25anos, passei alguns problemas emocionais,
sentimentais por lá, e resolvi mudar completamente para Parintins em 2019.
Nesse dia na orla, escrevi o que estava sentindo. Se observar esse CD” Paragem”, fala
sobre essa história em todas as músicas, por isso que coloquei o título “paragem”, ouvia
essa expressão usada muitas vezes pelo no interior do Amazonas. Peguei essa palavr,
pois gosto dela e coloquei na música: “estou em Parintins nessa Paragem”. E essa
música foi muito bem aceita e as pessoas me pedem para cantar nos meus shows, me
elogiam e pedem para contar a história da música, isso aconteceu em Manaus, em
Fortaleza e por aqui.
Ter mestrado em Geociências e morar no Amazonas, contribui ao escrever
uma poesia?
Sim, eu acredito que é um ponto de partida espetacular, porque a gente tem uma
leitura da paisagem de uma forma mais horizontal. Impulsionado pela geografia,
geologia, turismo e pela arqueologia, abre-se um leque de oportunidade para
entender mais os ecossistemas, as paisagens, as relações humanas, a
biodiversidade, o rio, a floresta e as pessoas. Esse conhecimento científico que
acabei me envolvendo e desenvolvendo nesses últimos 30anos de Amazonas,
me serviu de inspiração. O cotidiano das pessoas, por exemplo, eu sou profundo
admirador dos ribeirinhos e dos indígenas. Porque são pessoas simples que nos
dão uma lição de vida todos os dias, gente de muita fé e coragem nas suas
atitudes, tem um poder de superação impressionante que muitas vezes na
cidade grande não conseguem ter, no sentido de superar as dificuldades, são
pessoas de muita atitude e muita humildade, eu sempre aprendo muito com
essas pessoas, como se fosse um livro aberto, fico muito feliz ao encontra-las.
Tive a oportunidade de conhecer mais de 50 municípios do Amazonas, isso me
ajudou muito em entender as relações humanas com a natureza, as pessoas do
amazonas são muito hospitaleiras, vencem as adversidades, eu sou um
admirador dessas pessoas pela forma de superação dos desafios diários, é
sempre uma lição de vida a aprender.
Você retrata muito nas suas poesias sobre o rio e também faz
parte do projeto “PCD YARA” que analisa a qualidade da água
do rio amazonas e estar no administrativo do mestrado
‘ProfÁgua”, a água estar muito presente em sua vida, como é
essa relação?
Eu tenho essa relação próxima com o rio, nasci nas margens de um rio chamado
Banabuiú e depois vim morar no Amazonas, nas margens do rio negro, e agora
em Parintins na margem direita do rio Amazonas que é o maior rio do mundo em
extensão e volume de água. Então eu tenho essa inspiração e aproximação com
o rio de uma forma cotidiana e muito saudável, sou muito ligado ao rio, canto o
rio, tem uma infinidade de coisas pra gente mostrar sobre o rio, o primeiro livro
“Na Beira do Rio”, tenho uma música chamada “Silêncio do Rio”, foi uma música
que quando fiz estava num passeio de canoa e remo pelo Macurany, é uma
homenagem ao rio e a Parintins.
Como você ver essa severa estiagem que o Amazonas esta
sofrendo?
Estamos na primavera, isso é uma vazante extrema, só que atípica, esse tempo
que estou aqui há 30 anos, já passamos algumas vezes como em 2019,
normalmente quando vem uma grande enchente, vem uma grande vazante,
temos vários elementos que contribui para esse acontecimento metereológico,
como o fenômeno el’niño, o aquecimento das aguas do atlântico, pacifico e
índico, simultâneo. A idéia principal é começar com a educação ambiental, não
somente na teoria, mais na prática e cada um fazer a sua parte. Vivemos numa
única casa, não existe dois planetas terra, e se a gente não cuidar, não vamos
conseguir sobreviver, porque sem água não tem vida. Temos que ter essa
mudança de comportamento e atitude em relação a natureza e o meio ambiente,
se não tivermos essa sensibilidade de proteger o rio, a floresta e a
biodiversidade, vamos pagar um preço muito alto, até com a própria vida, e já
estamos passando por vários problemas graves de mudança no planeta.
Planos para o futuro?
Penso assim, o ontem não nos pertence mais, o amanhã é uma incógnita, eu
não sei o que vai acontecer. Eu invisto muito no aqui e no agora, no hoje, é
palpável, real e pode ser extraordinário nossa experiência de vida, só depende
de cada um. Continuo escrevendo poesia, compondo, cantando, tocando meu
violão todo dia e tenho novidade em breve para 2024 que é o lançamento de um
livro de poesia e mais um CD autoral e para encerrar, tenho uma poesia que eu
levo para minha vida, “quero viver sempre menino e morrer poeta, brincar com o
destino na hora certa“.